Estou de Alma Lavada

chuva da janela Pictures, Images and Photos

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Nenhum pássaro no céu , Luíz Horácio

Pequeno texto do livro = Nenhum pássaro no céu. de Luíz Horácio.

Leia esta pequena parte do texto:

“Mal completara vinte e cinco anos, mas ainda não aprendera a disfarçar o ar de cansaço que o viver lhe causava. Desistira de quase tudo, menos do carinho ofertado ao pai do prazer de ler, difícil era encontrá-la sem um livro entre as mãos, e de perder o olhar apreciando a vastidão do pampa. A cada amanhecer sentia que lhe rondava um sentimento que não sabia explicar. Alguma coisa entre o sofrimento inevitável e a certeza de um dia ser surpreendida pela felicidade. A vontade de casar e ter filhos foi esquecida quando se deu a entender que para isso era necessário amor. Uma coisa que quem não viveu dias de pai e mãe não pode mesmo saber.

De uns tempos para cá uma doença esquisita parecia querer limitar ao pai os motivos de sua afeição. Aprendera a ler com cinco anos, ensinada por uma das tias de seu pai, a Vurica. Tomou gosto. E só agora a leitura lhe causava dor, soledad. A doença a impedia de ler, seus olhos apagavam certas letras e, curioso, mesmo assim não desfaziam o significado das palavras. Desde guriazinha, a impressão que se tinha ao ver Sofia acariciando o pampa com seu olhar é que a criança buscava um sonho.



– Carecemos de ir a Santa Maria ou à capital, minha filha, procurar médico que entenda do assunto. Já vi muita cegueira começar com uma comichãozinha.

– Não adianta, papá, usted sabe que se trata de coisa de família.



Camilo ainda é um homem forte, casou cedo com a bela Maria Eugênia e logo nasceu Sofia, a quem foi permitido amor materno apenas por quatro anos. Seu irmão Hidalgo não pôde experimentar o gosto de ter mãe: a mulher que também o pariu morrera no ato. Vivem ali naquela casa grande encimando a coxilha, perto, mas não tão perto, as casas dos peões em meio a permanente algazarra de pássaros e bichos pequenos que não sabem voar; preás, raposa, lebres, mulitas, tuco-tuco e, à noite, os sorros. Não fazem dali um lugar incomum, é só mais um canto de mato. Galinhas, porcos, gansos, patos, marrecos e o vento, vento quase sem parar. Sem esquecer a geada que nem mesmo ao verão é capaz de respeitar. Ela se engrandece, macula o pasto.”


Nenhum Pássaro no Céu, de Luíz Horácio



Na região da fronteira do Brasil com o Uruguai, o autor nos apresenta o patriarca Camilo Sosa, um fazendeiro mais preocupado em cultivar sonhos do que acumular riquezas materiais. Os diálogos francos, diretos, de Camilo e dos personagens que desfilam na obra são carregados de sonoridade e colorido especial na híbrida linguagem da fronteira, o portunhol.
Ao abordar frustrações, temores e sentimentos do homem da fronteira, o autor constrói um painel híbrido como o dialeto da região em que nasceu e se criou.
A composição dos personagens, a complexidade psicológica de cada um deles, a atenta observação social de seu tempo e, sobretudo, a narrativa fluente estabelecem o elo de identificação com o leitor e revelam um autor seguro de seu ofício. A cada página podemos ver os sonhos que não se concretizaram, a felicidade inverossímil, as expectativas referentes a atitudes e amores tão humanos quanto impossíveis que encontram na fantasia o recurso capaz de criar novos mundos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário